Nota: notícia de atualidades que pode estar presente nos próximos vestibulares ou ENEM.
Áreas: Redação, Geografia e História
Será que o mundo está prestes a assistir 750 mil somalis morrerem de
fome? Os avisos da ONU não poderiam ser mais claros. A fome gerada pela
seca está devastando a Somália e matando dezenas de milhares. O grupo
militante islâmico Al-Shabab está impedindo a maioria das agências de
ajuda humanitária a acessar as áreas que controla e três quartos de um
milhão de moradores vão ficar sem comida no próximos meses, segundo
oficiais da ONU.
Logo, as chuvas vão começar a cair, mas antes que qualquer plantação
cresça, a doença irá florescer. Malária, cólera, febre tifóide e sarampo
vão desolar populações imunossuprimidas, afirmam as agências de ajuda
humanitária, matando milhares pela desnutrição.
Há uma espécie de déjà vu sobre tudo isso. No início dos anos 1990, a
Somália foi atingida pela fome e, da mesma forma cruel, bandidos
bloquearam a ajuda internacional, o que produziu imagens terríveis de
crianças esqueléticas morrendo na areia. Na verdade, a fome daquela
época atingiu a mesma região da Somália, o terço inferior da sua área,
onde vivem os clãs de minorias impotentes que muitas vezes carregam o
peso dos problemas crônicos desse país.
Mas na década de 1990, o mundo estava mais disposto a intervir. As
Nações Unidas se reuniram atrás de mais de 25 mil soldados americanos,
que embarcaram em uma missão de bilhões de dólares para combater os
pistoleiros a tempo de conseguir colocar comida na boca dos famintos.
Compare isso com o que aconteceu na semana passada. Em uma reunião de
cúpula sobre a fome em Nairobi, no Quênia, o primeiro-ministro da
Etiópia, Meles Zenawi, propôs estabelecer corredores humanitários à
força de modo que a ajuda alimentar possa ser entregue nas áreas
controladas pelo Al-Shabab. Poucos doadores ocidentais se entusiasmaram
com a ideia.
"Não há clima para intervenção", disse um oficial americano, que não
estava autorizado a falar publicamente sobre o assunto. "As pessoas se
lembram do que aconteceu na década de 1990. A conclusão é que isso ‘não
funciona’."
A força militar estrangeira, segundo os analistas, nunca conseguiu
resolver os problemas da Somália e não vai resolvê-los agora. Essa fome
não se trata apenas do Al-Shabab impedir a chegada de alimentos.
Trata-se de um Estado quebrado e da detruição humana que está causando.
Veja Mogadíscio, a capital. O Al-Shabab foi quase totalmente expulso
da cidade em agosto, deixando o governo de transição da Somália no
controle de grandes áreas da cidade, incluindo o campo de refugiados.
Mas o "controle" do governo – esse termo mais parece uma aspiração
significativa – não se traduz em uma operação de ajuda. Em vez disso,
soldados do governo saquearam caminhões de ajuda e atiraram contra quem
estava morrendo de fome.
Os políticos da Somália estão muitas vezes ocupados demais brigando
para construir instituições como um Ministério da Saúde que funcione ou
um departamento de saneamento que iria ajudar as vítimas da seca. Alguns
dos grupos informais de pessoas acampadas para ajuda estão se
desmantelando e não está claro para aonde os deslocados estão
caminhando. Muitas agências de ajuda – e militares ocidentais – temem
esse ambiente jutificadamente, e, até agora, a resposta para a fome tem
sido bem aquém do que o necessário para conter a crise.
"Eu não acho que há argumento de que a fome pode ser mitigada através
de uma intervenção militar", disse Bronwyn E. Bruton, um especialista
em democracia e governança, que escreveu um ensaio provocador publicado
pelo Conselho de Relações Exteriores pedindo que o Ocidente faça uma
retirada da Somália.
A União Africana, que tem 9 mil soldados na capital, “não é capaz de
salvaguardar a entrega de ajuda em Mogadíscio", disse Bruton. "Como eles
poderiam, eventualmente, ampliar sua atuação para fora da capital?"
"A corrupção, o roubo e a violência são endêmicos", acrescentou. "O
problema vai além do Al-Shabab, na verdade, ele é qualquer pessoa com
uma arma."
E na Somália há muitas pessoas armadas. Esse foi o problema na década
de 1990. A ONU pediu que as forças americanas desarmassem os senhores
da guerra e suas milícias, mas o Pentágono não quis arriscar muitas
vidas americanas para fazer isso. Em vez disso, os Estados Unidos
optaram por uma intervenção restritiva e, em seguida, retiraram essas
forças às pressas, depois que 18 militares foram mortos em uma épica
batalha de rua imortalizada no livro que virou filme e videogame, "Black
Hawk Down". De acordo com um estudo realizado pelo Grupo de Política
para os Refugiados, a operação liderada pelos americanos e os esforços
de ajuda externa salvaram cerca de 110 mil vidas, enquanto 240 mil foram
perdidas para a fome.
É uma matemática sinistra, especialmente considerando o tamanho da
operação de ajuda. O Grupo de Políticas de Refugiados tem um gráfico que
mostram as vítimas da fome, que tendem a vir em dois picos: um no
início da crise, antes que a maior parte da ajuda chegue ao país, o
outro quando as chuvas começam. Para a fome atual, os analistas estão
agora se preparando para possivelmente centenas de milhares de mortes.
"Perdemos esta rodada", disse Ken Menkhaus, professor de ciência
política da Faculdade Davidson College, na Carolina do Norte. "Os
números vão ser horríveis. Chegamos muito tarde."
A fome não mata instantaneamente. Os corpos são esgotados por meses
de desnutrição e estresse. Muitos somalis, como evidenciado pela
multidão em meia-vida, tropeçando pelos acampamentos de refugiados em
Mogadíscio ou em Dolo, uma pequena cidade na fronteira com a Etiópia, já
estão perdidos.
"Uma ou duas pessoas sobrevivem em cada família", disse Lul Mahamoud
Ali, mãe de quatro filhos, que recentemente chegou de uma aldeia
atingida pela fome. Seus filhos estavam apáticos e com os olhos
vidrados, e Lul carregava com ela tudo o que tem – um colchão fino, um
tapete vermelho e um baú de madeira, que estava vazio.
Menkhaus trabalhou como consultor de ajuda na Somália na década de
1990 e disse: "Naquela época, estávamos apenas fazendo o que podíamos à
medida que avançávamos. Hoje é tudo muito mais científico."
Por exemplo, o governo dos Estados Unidos ajudou a configurar o
Sistema de Aviso Prévio da Fome, que monitora a fome em todo o mundo com
detalhes como a chuva e o preço das cabras na região. Isto tem ajudado
grupos de ajuda a pré-posicionar alimentos na Somália e a se preparar
para o dilúvio de refugiados, embora pareça que poucos previram o quão
ruim seria a fome esse ano.
Outra lição aprendida foi a forma de alimentar as pessoas. A
abordagem na década de 1990 era inundar a Somália com ajuda alimentar, o
que deu poder às milícias que usaram os alimentos para criar uma rede
criminal que lucrou milhões com grãos saqueados. Desta vez, o Programa
Alimentar Mundial e outros ainda estão distribuindo comida, mas mais
agências de ajuda estão se voltando para dinheiro ou vales-alimentação,
permitindo que pessoas carentes comprem os seus próprios suprimentos, o
que se destina a estimular a iniciativa privada e tornar empresários
poderosos da Somália em inimigos.
No outro dia, Chris Smoot, um oficial do grupo de ajuda World Vision,
chegou em Dolo com vários cupons para a compra de alimentos. Ele os
apresentou aos jovens do distrito, que estavam sentados em uma cabana
feita de galhos e revelou que tinha pouca experiência em lidar com
emergências e pouca escolaridade.
"Imagine", disse Smoot. "Você tem 35 anos e educação primária e se depara com isso?"
Vinte anos após o colapso do governo central, esta é frequentemente a
história da Somália. E dado o interesse limitado do mundo em uma grande
intervenção, ela não deve mudar.
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