No Natal de 1853 J. T. Watkins, Capitão do navio de transporte de
tropas SS San Francisco recebeu um presente de Natal que nenhum
comandante deseja: Uma tempestade em alto mar.
Assolado por ondas descomunais e ventos de furacão, o pequeno navio
de 85 metros de comprimento não era páreo para o Oceano Atlântico. Um
único vagalhão varreu mais de 150 pessoas do convés, a chaminé
arrancada, a ponte de comando danificada. Com os motores parados e o
leme danificado, não havia nada que a tripulação pudesse fazer.
O tempo foi passando e o navio se distanciava cada vez mais de sua
rota. Sem rádio (Marconi só nasceria em 1874) a única forma de
comunicação era através de sinais luminosos e bandeiras. Não havia como
pedir socorro e o San Francisco era somente um ponto no oceano.
Até que no dia 5 de Janeiro de 1854 uma frota de resgate achou
exatamente aquele ponto, salvando os 500 sobreviventes da equipagem de
700 passageiros e tripulantes, incluindo o Cônsul brasileiro Jacinto
Derwanz.
Encontrar um navio perdido ao sabor das correntes foi algo inédito,
fruto da ciência, do conhecimento, do pioneirismo e acima de tudo da
teimosia de um sujeito chamado Matthew Maury.
Nascido em 1806, Maury é considerado pai da Oceanografia Moderna e da
Meteorologia Naval. Fascinado por correntes, ventos e padrões Maury era
um marinheiro nato, servindo como oficial dos EUA até sofrer um
acidente em 1839. Atropelado por uma carruagem ficou impossibilitado de
embarcar em navios.
Transferido para o Departamento de Cartas e Instrumentos ele começou a
fuçar o imenso acervo. Entre outras informações havia diários de bordo
de milhares de navios, bem como informações meteorológicas. Logo ele
percebeu um padrão:
Capitães conheciam truques e atalhos, sabiam que em determinadas
épocas do ano era mais vantajoso pegar determinadas rotas, economizando
tempo de viagem. As correntes marítimas impulsionavam as embarcações que
sabiam tirar proveito delas.
Embora conhecidas as correntes sempre foram vistas como um fenômeno
local e ocasional. Maury as percebeu como parte de um sistema muito
maior. Ele compilou as informações de mais de 1 milhão de registros e
criou um mapa de correntes do Atlântico Norte, mas ninguém o levou a
sério.
Marinheiros são muito, muito conservadores, e ninguém queria saber
das idéias de Maury. Quando o SS San Francisco desapareceu Maury viu ali
a chance de validar suas teorias.
Debruçando-se sobre cartas náuticas, montanhas de cálculos e muito,
muito café ele plotou a última posição conhecida do San Francisco,
fatorou as condições climáticas, época do ano, registros meteorológicos,
dados do navio e marcou no mapa um X: “O San Francisco está aqui”.
Querendo se livrar de Maury, o Comando Naval topou enviar uma frota
SE ele prometesse parar de encher o saco com essa idéia louca de um
sistema mundial de correntes marítimas.
Mesmo os mais ferrenhos críticos tiveram que dar o braço a torcer
quando os sobreviventes do San Francisco começaram a sinalizar para a
frota de resgate.
Maury tornou-se um super-astro no círculo naval, mas isso foi apenas o começo.
Como todo geek Maury era fanático por informação, e viu em sua
recém-conquistada fama a chance de conseguir mais dados, tornando suas
cartas mais precisas ainda. A melhor fonte de informação? Os próprios
usuários.
Seu livro de correntes, ventos e rotas ajudava navios a economizar em
alguns casos 12 dias de viagem, e valia seu peso em Ouro. Mesmo assim
era distribuído gratuitamente pelo Observatório Naval dos EUA, sob uma
condição:
Capitães deveriam anotar diariamente em um formulário próprio
informações de data, posição, temperatura, velocidade e direção do
vento. De tempos em tempos esses dados deveriam ser enviados para o
Observatório.
Também deveriam, em um intervalo determinado de dias, anotar em um
papel o nome do navio, a data e a posição, colocar o papel em uma
garrafa e jogá-la no mar. Se encontrassem uma dessas garrafas deveriam
recolhê-la, anotar os dados da garrafa e quando e onde foi encontrada e
escrever informando o Observatório.
Antes da invenção do rádio Maury montou uma rede mundial de
colaboradores, logo países compondo o equivalente a ¾ dos navios do
mundo participavam do projeto, incluindo inimigos declarados dos EUA. As
cartas geradas a partir deles eram disponibilizadas para toda a
Humanidade. Até o Papa fez sua parte, criando bandeiras de distinção
para navios dos Estados Papais que enviassem os dados meteorológicos
para Maury.
Enquanto boa parte do mundo praticava a escravidão Maury conseguiu um
feito só possível em um mundo sem fronteiras, sem distinções raciais ou
sociais, onde a informação de um cargueiro chinês vale tanto quanto a
de um destroier inglês. Ele mostrou que sem satélites, sem radares, sem
estações de radiomonitoramento, sem balões ou sequer telégrafo
intercontinental era possível que um grupo de pessoas colaborasse e
criasse algo que nenhuma delas, não importa quão rica ou inteligente
conseguiria sozinha.
Maury criou sua própria Internet, usando papel, garrafas e
inteligência. Na estante de praticamente todo oficial naval do mundo, os
livros de Maury são um “Bitch, please”para todo garoto que descobre a
Wikipedia e acha que está sendo pioneiro em projetos colaborativos.
Hoje ele é matéria obrigatória na Academia Naval dos EUA e será
homenageado com o USNS Maury, um navio oceanográfico de pesquisas de 110
metros de comprimento de classe Pathfinder, seu título informal:
“Matthew Maury – O Trilheiro dos Mares”.
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